A mulher e as jovens vidas que gritam pela vida

Ana Virgínia Santiago
Divulgação

 

Reencontrei a Mulher que vive em solidão...Solidão bonita que desafia a tristeza e a penumbra.

Solidão por optar pelo crescimento espiritual e pelo burilamento intelectual.

Sentada na escada de um templo de orações ,observando vidas jovens que estavam num elo de preparação por clamores de justiça, ela, a Mulher ,olhava para o mar, como das outras vezes e fitava o infinito na espera de realizar o seu desejo e de tantos.

Mas era um olhar diferente...

Pacificava a alegria indisciplinada -tão natural daquelas vidas -munidas das armas para os seus gritos- papel, canetas, faixas, tintas e gritos acalentados...

Sempre vi a Mulher que vive em solidão assim...Calada diante de seus prantos anímicos, embalando seus pensamentos nos desejos de esperança para tantas coisas...

Mas hoje a reencontrei diferente...Tinha algo especial nela.

Sua solidão era proposital para ter condições de observar e aplaudir aquele grupo que, munido das armas para os seus gritos, amadureciam seus pensarem numa intenção maior e organizavam os passos, os gritos pacíficos, as insatisfações, os desamores condenados.

Em completa sintonia com o espaço que lhe abraçava no instante e lhe dava o semblante de contemplação, a Mulher transportava o pensamento para relembrar outros momentos que a acompanharam por muitos anos e não foram esquecidos...

E reviveu os milhares de passos, os infinitos gritos pisando na imoralidade, no desrespeito, no desamor pela auriverde terra.

E relembrou de tantas vidas que se foram em nome dos gritos que acreditavam...

Por isso a Mulher que vivia em solidão e que eu a reencontrei contemplativa, mas com um sorriso nos olhos, chamou a minha atenção. Tinha algo especial nela, seu sorriso era diferente e seu olhar vislumbrava o horizonte ampliado...

Aproximando-me dela conversamos e, juntas, observamos a praça do templo de orações transformada num canto de amor e solidariedade.

O que eu e a Mulher sentimos tinha nome, era a consciência da uniformidade do pensamento daquelas vidas que invadiram a escadaria para organizar, combinar, esclarecer e compartilhar o pensamento de um país que sentia dor.

Era a coragem de dizer que medo não existe quando a intenção é a humanidade, é o desejo de renascimento, é a exigência de dignidade, é o querer mudanças sem serem embaladas pela utopia.

Absorta, imersa em pensamentos, agora, penetráveis, a Mulher sorria feliz. Tinha um olhar diferente. De alegria!

Alegria porque sentia arder em seu ser todas as contorcidas ausências que sucumbiam ao que ali via num desejo maior de renovação.

E, silenciosa, a escutei.

E a Mulher falou da vida que sonhou, de todas as perdas que teve, das pessoas que amou e perdeu, das outras que perdeu sem amar e relembrou dos sonhos, inúmeros sonhos de um “ gigante pela própria natureza” que viu muitos desmoronarem pela indecência e falta de probidade políticas.

Eu ouvi a Mulher desnudar-se de seus temores e desamores para falar dos seus quereres guardados no coração, das lembranças que lhe fizeram impassível diante de ações retardadas, dos momentos que lhe amparam para sobreviver e ,com alívio, agora voltava a acreditar.

O que aconteceu com aquela Mulher que sempre olhou para o infinito com ânsias de vôos longos, que convivo há tanto tempo e que, ternamente, começa a falar como se estivesse num monólogo intenso e me faz aquietar e prender a respiração?

Agora a ouço sussurrar, que vive há tempos mais na fantasia do que na realidade, que dorme com os seus sonhos não-concretizados, acorda com eles, dando-lhes as mãos durante todo o dia para não sucumbir, até chegar a noite e pouco dormir, por eles acalentada...Agora a ouço contar com alegria que seus sonhos poderão ser realizados porque a esperança que estava vendo na escadaria do templo de orações poderá modificar a sua contemplação da vida.

Vi a Mulher sorrir quando falou do tempo que acreditava na comunhão de atitudes, na confiança de seres afins, nas palavras que acreditou porque tinha a esperança na alma, enxergando-a perpetuada em frestas iluminadas. A mesma que agora constatava.

Reencontrei a Mulher que vivia em solidão.

E, incrível, só agora começo a conhecê-la, porque uma outra faceta foi mostrada.

Ela, como tantas outras vulneráveis vidas, que seguem o destino, contrariadas e expostas à humilhação dos desejos reprimidos, dos gestos bloqueados, da anulação como seres que amam e anseiam, que sentem saudade do que não tiveram, mas sabem que existe está tendo no crepúsculo a sensação da liberdade bonita que abre braços para a esperança.

A Mulher que eu enxergava distante é como todas as mulheres que passam pela mesma angústia dos temores e questionamentos, porque não são leigas. Já viveram e sobreviveram. É como as tantas mulheres que vivem em completa solidão e bloqueiam suas emoções e seus desejos por terem gritos contidos e acorrentados à vida que levam...

Ela era outras emoções. Uma Mulher que sente solidão, que olha para o infinito e fala. Uma Mulher que optou pela solidão construtiva ,mas que sorri com a desafiadora e intrigante multidão que quer melhorias e novas construções, principalmente as de caráter.

Mas, agora conheci uma nova Mulher.

Ouvi a Mulher que agora escolhe os seus momentos de solidão (não sabendo que estava acalentando outros sonhos rasgados, emoções destruídas, desejos dizimados, quereres amordaçados), que, calada, sempre olhava para o mar e vomitava para o infinito todas as dores de um universo complexo, muitas vezes incompreendido pela falta de visão e sensibilidade, contudo que sussurra seus contares bonitos de convivência e afetividade.
Vi muitas vezes a sua expressão que doía de tanta singeleza na busca irrefreada dos toques que lhe faltavam e das dores que queria apagar em nossas inúmeras conversas.

Mas hoje reencontrei a Mulher que agarrou com a alma a sua alegria adormecida e, como um outro “gigante pela própria natureza” ouviu gritos e abriu caminhos de renovação.

Ana Virgínia Santiago é escritora e poeta.